O último artigo de Tópicos (artigo do professor MHL!) veio falar sobre estresse oxidativo. E o que é estresse oxidativo? Estresse oxidativo é, por definição, uma quantidade excessiva de radicais livres - quantidade essa acima da capacidade de neutralização feita pelos mecanismos de defesa do corpo. Os radicais livres (basicamente espécies reativas de oxigênio e nitrogênio) se caracterizam por serem elementos altamente reativos, dispostos a reagir com praticamente qualquer outra estrutura a fim de ganhar estabilidade. Até aí, sem problemas. Os problemas começam justamente quando se pára para pensar em quais estruturas podem ser alvo desse "ataque para estabilidade": lipoproteínas da membrana plasmática celular, fosfolipídeos da bi-camada citoplasmástica ou de lisossomos, ácidos nucléicos... É tendo em vista esse potencial dano que o corpo apresenta seus próprios mecanismos tanto de reparo de estragos quanto de neutralização dos agentes reativos, sendo que, em situações de normalidade, 99% dos efeitos causados conseguem ser revertidos.
.
Até então, situação ótima. Mas os organismos nem sempre atuam em normalidade: por diversas vezes, somos expostos a situações em que esse equilíbrio pode ser substancialmente alterado. Um exemplo (abordado em um dos painés sobre radicais livres do semestre passado - inclusive de autoria deste que vos fala) é o estresse oxidativo pós-isquemia, onde a inundação de sangue em tecidos deixados por um tempo sem perfusão traz uma inundação de oxigênio, tendo como consequência um número grande demais de espécies reativas desse composto, que afeta as estruturas agora oxigenadas. E é justamente essa idéia que está presente não só em procedimentos cirúrgicos, mas em diversos fatos da natureza.
.
Tomemos como exemplo a hibernação de diversos animais, como, por exemplo, de esquilos (o que também foi feito pelo artigo). Esses animais, durante os períodos em que ficar em ritmos metabólicos normais seria insuportavelmente difícil, entram em uma depressão metabólica. A demanda metabólica geral passa a ficar significativamente reduzida, por uma menor atividade de todos os tecidos, e o consumo de oxigênio, como consequência, também diminui. Então, em determinado momento, esses animais saem da hibernação. O O2, "entrando em cascatas pelas narinas agora sim abertas com todo seu potencial", passa a estar presente em valores bem acima do que até então estava presente, e a questão do estresse oxidativo surge. Surge, mas onde surge? É essa pergunta que o artigo vem responder.
.
Foram analisados esquilos do Ártico coletados em três diferentes anos: 1999, 2000 e 2002. Desses animais, foram feitas análises procurando marcadores bioquímicos de estresse oxidativo no tecido adiposo marrom, no fígado, e no córtex cerebral. Além disso, tentou-se avaliar (mas sem resultados conclusivos), o efeito de aplicação de ascorbato oxidase no estresse oxidativo observado (a ascorbato oxidase age sobre o ácido ascórbico - vulga vitamina C, que tem atuação anti-oxidante). Como modelo de comparação para valores referenciais, utilizaram-se ratos, espécie que é bem conhecida, com valores de marcadores de estresse oxidativo bem estipulados. Colocados em baixa temperatura (que foi adaptada para esquilos em hibernação e ratos em condições normais), os animais foram avaliados quanto á valores de peroxidação lipídica, carbonil, e índice Glutationa oxidada\Glutationa reduzida, expressando o total de espécies reativas neutralizadas.
.
Os esquilos estavam divididos em três grupos: acordados, durante a hibernação, e em transição (voltando para níveis metabólicos normais: acordando). A análise dos indicadores permitiu avaliar o nível de estresse oxidativo presente em cada situação. Dos tecidos analisados, somente o tecido adiposo marrom mostrou variação significativa - o que faz todo sentido: envolvida com a produção de energia, as células da gordura marrom apresentam processos metabólicos oxidativos intensos, com consequentes altos níveis de, por exemplo, carbonil, verificado no estudo. E em que situação: animais acordados, hibernando ou saindo da hibernação? O estresse oxidativo foi verificado mais intensamente nos animais em transição, saindo da hibernação - o que, outra vez, faz todo o sentido: nos outros dois estados, havia equilíbrio entre mecanismos de proteção e espécies reativas.
.
A discussão do artigo levantou vários pontos, sendo a maioria relacionada com a preocupação da influência de métodos sobre resultados. As principais foram se a anestesia não teria influenciado, em certa medida, os resultados encontrados (somente foi aplicada anestesia, para efetuação da biópsia, em animais acordados); e se o fato de se escolher uma espécie tão diferente quanto os ratos, e ainda em temperatura ambiente da dos esquilos, não teria sido significativo.
Como curiosidades, dois fatos marcantes: a descoberta de que, pela mudança de latitude e longitude, pela mudança de ambiente e pelo estresse psicológico do processo, 1\3 em exames de laboratório que deveriam estar hibernando não estiveram: um fenômeno conhecido como sazionalidade, que afeta grande número de pesquisas relacionadas com esse tema. A outra, e a mais marcante, é a de que o ácido úrico, também analisado como marcador, é um dos principais anti-oxidantes dos organismos que o tem como parte de seus processos metabólicos.
Estêvão Cubas